Créditos/Fonte: Um conto erótico de Marlon
– Ah… uau! Nossa! O que foi isso? – perguntei ofegante.
O Caio não respondeu com palavras. Ele ficou me olhando e eu percebi que o clima de descontração tinha acabado. Agora era sério. Ele me beijou, um beijo intenso, mas rápido. Depois ele me abraçou e ficamos um bom tempo nus, na grama, no escuro, eu dentro dele. Enterrado até o fundo no seu cu.
A Irmandade Secreta do Sexo eBook Kindle
– Eu te amo, Marlon!
– Eu te amo também, Caio. Obrigado por tudo. Meu maior presente de vida é você.
Não restavam dúvidas: era amor o que sentíamos. Amor dos mais puros e inocentes.
Depois nos vestimos e fomos direto para o banheiro. Mais do que esperma, estávamos sujos de terra e de grama. Um esfregou as costas do outro.
Saímos daquela ducha morna, exaustos e ao mesmo tempo muito satisfeitos.
– Vamos voltar para a fogueira?
– Ai, Marlon, estou com uma fome enorme. Deixa eu só ir ali na cozinha fazer uns sanduíches.
– Claro. Faz para mim também?
– Vem.
O Caio fez um para cada um: pão, orégano, tomates, queijo, presunto, pimentão e alface. Uma delícia. Refeição completa.
Pegamos um copo de refrigerante para cada um e fomos para a fogueira.
Nem preciso dizer que, quando chegamos lá depois de tanto tempo, de banho tomado e de roupas limpas, todo mundo ficou zoando com a gente. Mas nem ligamos. Estávamos felizes demais e com a boca muito ocupada para retrucar as brincadeiras.
E o fim de semana tinha apenas começado!
Fomos os primeiros a ir dormir. Depois do sanduíche, ainda ficamos um pouco com o grupo ao redor da fogueira, mas estávamos muito carentes um do outro.
Obviamente, essa carência não seria saciada ali. Então decidimos ir nos deitar.
Fomos para o quarto e tiramos as roupas, ficamos apenas de cueca, mas o Caio vestiu meias, pois estava com frio. Entramos debaixo das cobertas. Ele deitou sua cabeça sobre o meu peito e ficou me fazendo carinho em mim. Já eu fiquei fazendo cafuné em sua cabeça. Ele pôs a perna esquerda entre as minhas e aqueceu os meus pés com os seus.
– Boa noite, amor!
– Boa noite, mozão!
(…)
Pela manhã, eu acordei mais cedo. Tudo planejado. Fui para a cozinha e improvisei um café da manhã. Fiz queijo quente, café com leite, peguei algumas bolachas e uma geleia de frutas vermelhas.
Corri para o jardim e peguei um pequeno ramo de flores amarelas e espalhei as pétalas em cima da bandeja onde eu levaria a refeição.
Entrei no quarto e ele ainda dormia agarrado ao travesseiro. Eu puxei o travesseiro de leve e, como eu conheço bem o sono do Caio, desde antes de eu descobrir que era gay, ele sempre, inconscientemente, fica puxando o travesseiro para si. Eu puxava de um lado e ele, ainda dormindo, puxava do outro.
Ele até gemia como uma criança birrenta, mas ele só acorda quando a pessoa que estiver puxando o travesseiro finalmente conseguir tirá-lo dele.
– Bom dia, amor!
– Marlon, – choramingando – me dá o travesseiro!
– Não. Olha a janela, já é dia.
– E daí? Me dá o travesseiro.
– Não, não, não. Acorde!
– Marlon…
– Eu trouxe o seu café.
– Hã? Onde?
– Aqui.
Eu peguei a bandejá e a pousei no meu colo. Ele se ergueu e esfregou os olhos. Ele fazia tudo isso com muita graciosidade. Quando ele esfregou os olhos, achei tão fofo que lhe dei um selinho enquanto ele se espreguiçava.
– Ah, eu quero um selinho de novo. – disse ele com voz infantil.
– O bebê quer um beijinho?
– Aham. Bebê quer beijinho.
Eu ri daquela situação boba, mas era irresistível ser bobo ao lado do Caio.
Eu pus a bandeja no chão, descalcei as sandálias e me deitei em cima dele. Fiquei distribuindo selinhos nos seus lábios enquanto ele me abraçava as costas.
Não eram beijos intensos, nem mesmo eu me demorava com os lábios nos lábios dele. Eram selinhos mesmo. Vários.
Quando terminei, ele disse:
– Só isso?
– Que bebê difícil de saciar!
– Esse bebê é muito mimado e é muito grande. Ele precisa de uma dose extra de beijinhos-inhos-inhos.
– Tá bom, tá bom – disse eu imitando uma voz de cansado.
Depois dos selinhos, desci a boca para o pescoço dele e fiquei mordiscando, a fim de lhe fazer cócegas. Depois eu parei e peguei a bandeja.
Toma o seu café.
– Ai que namorado prendado!
– Não se acostume, afinal, o cozinheiro aqui é você.
– Ah, tem flores, que lindo!
– Gostou?
– Ai que fofo!
Tomamos o nosso café rapidamente. Ainda era muito cedo. Fomos dormir muito cedo. Depois de comer, voltamos para debaixo das cobertas, mas para namorar um pouco. Beijinhos com gosto de café-com-leite.
Ficamos abraçadinhos um bom tempo, até que esmurram a nossa porta.
– Bora parando a safadeza aí!
– INVEJOSO. – gritou o Caio.
– Já treparam demais, abre essa porta.
– Deixa a gente em paz, seu mal-comido!
– Mal-comido é a sua madrinha. Abre já essa porta!
Quando eu abri a porta, Tom e Luciano invadiram o quarto e pularam na cama.
– Oba, agora a coisa vai ficar feia de verdade!
Eles começaram a agarrar o Caio debaixo do lençol.
– MARLON, ELES QUEREM ME COMER! – gritou o Caio.
– Seu prostituto. Finge que não gosta, vai!
– Marlon!
Eu pulei na cama, fiquei de pé em cima do colchão tentando achar o Caio naquela confusão.
– Seus trombadinhas, parem de atacar o meu namorado!
O Luciano me puxou e eu caí deitado em cima dos três. Eu só conseguia sentir cinco dedos intrusos na minha bunda. A folia era geral naquela cama. Eu não conseguia tirar aqueles dedos de mim e nem conseguia identificar de quem eram.
– Marlon, arrancaram a minha cueca!
– Quem?
– O Tom vai me comer!
– Hahahahahahahahahaha…
Eu só conseguia enxergar a boca do Caio, que ria à beça. De repente, eu sinto um monte de camisinhas sendo jogadas em cima da cama. Era a Claudinha.
– Previnam-se, meninos! – gritou ela e saiu do quarto logo em seguida.
A brincadeira não durou muito. O Luciano, que é muito tímido, saiu da cama.
– Ôh, amor, agora que estava ficando bom! – choramingou o Tom.
O Luciano deu a volta na cama para puxar o Tom da cama na outra extremidade.
– Bora, a orgia já acabou!
– Por que eu fui arrumar um namorado tão púdico?
Púdico? Eu heim!
Depois que eles saíram, eu corri para trancar a porta. Depois pulei na cama.
– Ele arrancou mesmo a sua cueca?
– Quase!
– Que menino louco!
– Hahahahahahaha.
– Tudo bem? – perguntei sério e já um pouco excitado.
– Tudo. Te fizeram alguma coisa?
– Não, só me dedaram!
– Ah, só isso? – perguntou o Caio irônico.
– Hahahahahahahahaha.
Voltamos a namorar, mas não transamos, mesmo depois de todo o estímulo e daquele menino todo rosadinho e praticamente pelado ali na cama, na minha frente.
O resto do dia foi normal. Passamos a tarde na piscina e à noite brincamos de pique – esconde. Idéia do Caio, que dizia estar morrendo de saudades dessa brincadeira. Todo o sítio servia de esconderijo. Passamos a madrugada brincando.
No dia seguinte, passamos o dia recebendo os equipamentos do DJ, as comidas do Buffet e arrumando a decoração que foi confeccionada por nós. No fim do dia, tudo estava lindo, mas não estava mais lindo que o Caio.
– Caio, sai logo desse quarto, eu quero te ver!
– Espera, mozão. Estou quase pronto…
O Caio me fez ficar do lado de fora do quarto enquanto ele se vestia. Eu não sabia qual era a roupa que ele usaria. Ele fez mistério durante toda a semana anterior à festa.
– CAIO!
– Estou saindo…
Eu estava muito ansioso para saber o que ele vestiria. Ele tinha feito segredo e como eu conheço o Caio, sei que ele não é para surpresa pouca e conheço bem o seu estilo cool de se vestir.
– Caio, sai logo desse quarto. Quero ver!
– Tá…
.
Ele finalmente saiu e eu fiquei chocado com a produção. Claro, ele estava lindo, mas ainda assim muito diferente do convencional.
– Então, o que acha?
– Eu? Nossa, o que é isso? – perguntei espantado.
– Não gostou?
– Gostei, mas… não esperava por isso!
Da cintura para cima ele vestia um smoking comum: blazer, camisa branca, gravata borboleta. Da cintura para baixo ele vestia um kilt – para quem não sabe o que é um kilt, é aquela “saia” escocesa. No rosto, lápis de olhos.
Incrível como ele estava bonito. Ele tinha o poder de ter o estilo que tinha e não parecer afeminado. Não que isso fosse um problema, afinal, eu o amava como ele era. Mas o fato de ele parecer hétero dava muito mais charme quando ele se vestia dessa forma tão “cool”.
– Você não existe! – disse surpreso.
– Gostou ou não?
– Sim, sim, sim.
– Vem, me dá um beijinho.
A Claudinha passou por nós e gritou:
– KILT! KILT! KILT!
– Hahahahahahahahahhahahahha, gostou, meu amor? – perguntou o Caio.
– Está lindo! – disse ela ainda gritando – amei, amei, amei. Ai, às vezes eu queria ser gay só para ter o seu estilo.
– É para quem pode, né?
– Realmente… ai, que lindo o seu kilt – disse ela puxando um pouco o kilt.
– Menina, tá louca? Vai me deixar nu aqui – atentou o Caio.
– Hahahahahahahahaha, desculpa!
– Meu namorado é o melhor! – eu disse.
– Ai, que chique, não consigo me controlar diante da sua saia.
– Não é saia, me respeite, é kilt!
– Hahahahahahahahahahhahaha.
– É UMA SAIA XADREZ DA MESA DA COZINHA DA SUA AVÓ! – gritou o Tom.
– Ai, que azeda!
– Hahahahahahahahaha, te amo – disse o Tom.
Os convidados foram chegando e a cada cumprimento era uma surpresa: “Kilt!”, “Você de Kilt!”, “Que lindo!”, “Ué, uma saia?”… Seriam horas de muita música eletrônica e diversão.
Eu sabia que o Caio não poderia me dar a atenção que eu queria, mas não fiquei chateado com isso. Era a festa dele, a noite dele e nós sabemos como o Caio é cativante e tem milhões de amigos.
Eu fiquei com o pessoal, curtindo a noite que prometia. As tendas estavam lotadas e o DJ era muito bom. Parecia Woodstock, só que com gente mais estilosa, e-music, sem drogas ou rock ‘n roll.
O Caio estava muito feliz. Vez ou outra ele voltava para o nosso grupo, dançava um pouco, bebia conosco, tirávamos umas fotos, nos beijávamos, mas logo depois ele voltava a circular.
De uma certa forma, meu ego também foi beneficiado com aquilo tudo. A maioria dos gays presentes achavam o Caio muito bonito, mas além da beleza dele, que é visível, ele é divertido, inteligente, agradável, carinhoso, gentil, educado…
Eu conhecia no mínimo uns quinze rapazes na festa que eram afim do meu namorado, mas eu nem encucava com isso. Ao mesmo tempo que o Caio fazia a felicidade das pessoas, eu, por outro lado, ouvia algumas outras cochichando “Aquele é o namorado do Caio?”, “Quem é o namorado do Caio mesmo?”.
Todas as vezes que o Caio voltava para o nosso grupo, ele se desculpava comigo.
– Amor, desculpa não conseguir te dar atenção tá?
– Imagina, vai curtir a sua festa!
Eu só esperava por uma pessoa em especial: o Vinícius. Ele sim me assustava.
Quando ele chegou, o Caio estava ocupado, então eu fui recebê-lo:
– E aí?
– Oi, tudo bem?
– Tudo tranquilo e você?
– Bem, bem. Obrigado pelo convite.
– Tudo bem.
Ele estava muito feliz e foi quando o meu medo passou.
Senti pena dele, foi inevitável. Deveria fazer muito tempo que ele não saía, não via “amigos”, não se divertia.
Eu o trouxe para perto do grupo e ficamos bebendo. Eu até gostei de tê-lo convidado. Depois o Caio se aproximou.
– Oi Caio, feliz aniversário! – disse o Vinicius animado.
– Oi Vinicius, tudo bem?
Eles se abraçaram.
– Tudo. Óh, seu presente!
– Ah, valeu.
Ele pegou a embalagem e desembrulhou. Era uma camiseta azul.
– Ah, que linda. Obrigado, Vinícius!
– De nada, obrigado pelo convite.
– Vou guardar o presente.
O Caio veio na minha direção, me deu um selinho e saiu. Definitivamente o passado tinha ficado no passado e eu estava feliz por isso.
– Nossa, que festão, heim?
– Pois é, o Caio não poupou esforços.
– Adorei o kilt dele, hahahahahahaha.
– É, só o Caio mesmo para fazer essas coisas.
Então ficamos dançando até que o DJ para a musica e chama o Caio:
– O aniversariante, por favor!
O Caio sobe no palanque e fica todo apreensivo, nervoso. Ele fica me dando tchauzinho e olhando para as pessoas, que gritavam muito por ele.
Atrás do Caio surge um bolo e o DJ puxa os parabéns. Aí ele fica todo envergonhado, pois todos começam a gritar a música. Depois gritam “Faça um pedido!”, aí ele fecha os olhos, olha para cima, depois apaga as velas.
Foi quando as pessoas gritaram mais alto.
O Tom não perdeu a oportunidade e gritou “Discurso!”.
Foi o bastante para que todos na festa gritassem o mesmo. Não teve jeito, o Caio teve que discursar. Eu não me lembro muito bem o que ele disse, mas ele agradeceu a presença de todos, disse que estava muito feliz e que esperava que as pessoas se divertissem muito. Ele pegou a espátula de bolo e disse no microfone:
– É tradição, gente. Primeiro pedaço é tradição!
Todos começaram a gritar “Me dá!” enquanto ele partia o bolo. Já com a fatia na mão ele disse:
– Não tem como, a minha primeira fatia vai para essa pessoa que eu amo muito!
Aí o Tom gritou:
– QUE NOJO! NINGUÉM SABE QUEM É, NÉ MINHA GENTE?
– Hahahahahahahahahahaha, é ele mesmo, meu amorzinho-zinho-zinho, Marlon!
Fiquei com muita vergonha, mas tive que subir no palco e receber o bolo. Quando subi, pude perceber o quanto aquela festa era grande e a quantidade enorme de pessoas, gente que eu nunca vi na minha vida. O Caio me deu a fatia e me abraçou.
– Hum, feliz aniversário, meu amor!
– Obrigado, querido. Te amo muitão!
Depois eu desci do palco comendo minha fatia e matando as pessoas de inveja. Depois ele partiu uma fatia para ele e o resto do bolo… Bem, ele fez várias fatias e jogou para a multidão. Foi glacê para todos os lados. Parecia um show de rock, foi hilário.
Depois ele desceu e a festa continuou.
Quando a manhã chegou, os garçons serviram um café da manhã para os convidados, mas a festa não parou, só baixou o clima. Foi lindo.
O céu estava com aquele tom de azul que sabemos bem quando está amanhecendo e os convidados ficaram deitados na grama. Parecia mesmo uma rave.]
O café estava uma delícia. Depois o Caio pegou uma garrafa de champanhe, fez um novo discurso e estourou a bebida. Mas ele não ofereceu a ninguém. Na boca da garrafa ele foi tomando. Eu que depois me aproximei e pedi um pouco, aí sentamos na grama e ele me ofereceu a garrafa. Depois ele deitou a sua cabeça nas minhas pernas e eu fiquei bebendo enquanto lhe fazia cafuné. Ele acabou cochilando, estava cansado.
Por sorte, ele já tinha tomado café, então não precisei acordá-lo para que ele fosse comer, pois eu não o deixaria dormir sem se alimentar.
Fiquei minutos ali sentado, fazendo carinho no meu namorado, quando de repente eu avisto o Vinícius se beijando com outro cara. Aí eu acordei o Caio.
– Caio, Caio, acorda.
– Oi?
– Olha o Vinícius ali.
O Caio olhou para ele.
– Parece que o Vinícius já se arrumou.
– Ai não!
– O que foi, Caio? – perguntei bravo.
– Cadê a Luiza?
– O que tem a Luiza?
– Ela não pode ver isso!
– Por que não?
– Porque ela não sabe que o Vinícius é gay. Se ela vir isso, ela vai morrer!
– Mas ela ainda gosta do Vinícius?
– E muito!
Segundos depois a Luiza passa por nós e vê a cena. Ela fica parada um tempo, depois ela senta na grama e fica olhando o casal.
O Caio se levantou e foi até ela. Ele sentou ao seu lado e a abraçou. Eu não ouvi a conversa, estavam longe, mas parece que correu tudo bem. Eu fui para cama, pois parecia que o Caio iria demorar.
Nós decidimos trancar a porta do nosso quarto não só por segurança, mas também porque não queríamos ver ninguém transando na nossa cama. Quando eu fui chegando perto da porta, um casal de bêbados me pede:
– E aí, cara, beleza? Me empresta esse quarto para eu e minha namorada?
– Olha, cara, vai dar não.
– Por que, cara? Seja camarada!
– Não posso, meu namorado está vindo já já.
– Ah, cara, vai ser rapidinho…
– Não vai dar!
– Pô, que cara chato!
Aí ele se sentou numa cadeira e a namorada sentou no colo dele. Eu fiquei rindo e entrei. Tirei as roupas, fiquei só de cueca e dormi. Nem sei quanto tempo eu dormi, mas quando eu acordei, o Caio estava do meu lado.
– Seu irmão está aí, quer falar com você!
Eu estava muito cansado, tinha dançado a noite toda. Na verdade não dancei muito, não sou muito de dançar, mas fiquei em pé a noite inteira. Quando acordo, recebo uma notícia inesperada dessa!
– O que?
– Seu irmão está aí?
– Ewerton?
– Sim.
– Mas…mas, o que ele quer?
– Eu não sei. Posso chamá-lo?
– O que será que ele quer, Caio?
– Eu não sei, amor… vou chamá-lo.
Eu me levantei da cama e vesti uma bermuda. Sentei na cama e ainda não acreditava. E como ele ficou sabendo onde estávamos?
Levantei-me e lavei o meu rosto. Foi o tempo exato para ele entrar no meu quarto. Eu tremi um pouco, mas mantive a firmeza. Estávamos Ewerton, Caio e eu no quarto.
– Caio, você pode sair para eu conversar com o meu irmão, por favor? – disse ele meio grosseiro.
O Caio estava saindo quando eu disse:
– Não, o Caio fica!
– Eu quero falar com você sem o Caio.
– Eu não escondo nada dele, então pode falar.
– Querido, talvez seja melhor eu sair. – disse o Caio.
Quando o Caio disse “querido”, o Ewerton riu com ironia. Senti raiva naquele momento, pois eu já tinha abandonado a minha família há muito tempo e não admitia que o Ewerton nos procurasse para rir da nossa cara.
– O que foi, Ewerton? Você riu por que o Caio me chamou de “querido”?
– Eu não ri de nada…
– O Caio fica, pode falar.
– Então é assim que você quer viver sua vida: numa orgia de viados?
– Veio para isso? É melhor você ir embora, porque é assim que eu quero viver. Agora saia, tchau.
– Papai e mamãe não param de sofrer por sua causa.
– E o que eu posso fazer para que eles parem de sofrer: deixar de ser gay?
– Claro!
– Tá, Ewerton, sua vinda foi em vão, pois isso não é possível. Cuidado para quando você voltar não esbarrar em nenhum gay e não se contaminar.
– Eu estou falando sério, Marlon.
– E eu também estou.
– Você não percebe que essa vida que você escolheu não presta? Como é que você vai por a cara na rua? Como é que você vai trabalhar desse jeito? As pessoas sabendo que você é gay… já pensou nisso?
– Já, agora pode ir embora!
– Mermão, eu estou tentando te ajudar!
– Como, Ewerton? Como? Quantas vezes eu vou ter que repetir que eu não escolhi ser gay? Do mesmo jeito que eu sinto atração por homem, você sente por mulher. É simples. Você escolheu sentir tesão por mulher? Eu também não escolhi não. Entenda isso e você já me ajuda.
Ele ficou um tempo calado, me olhando com fúria, como se estivesse fazendo um esforço muito grande para estar ali.
– Você pode se curar com análise.
– Vai embora, Ewerton! – disse eu com voz de exausto – vá embora. É melhor para mim e para você. Isso cansa muito. Você vai morrer pensando que eu escolhi isso para mim, vai morrer pensando que é doença, vai morrer pensando que foram as más influências, vai morrer pensando que foi uma bactéria… enfim, você vai morrer na ignorância e nunca vai conseguir enxergar que eu não tenho culpa de nada. O preconceito com os gays hoje não é nada diferente do preconceito que se tinha com os negros há tempos atrás. Não que hoje não exista esse preconceito, mas hoje ele é camuflado… enfim, Ewerton, não estou afim de discutir. Vá embora.
– Perdi tempo mesmo. – e saiu.
O Caio fechou a porta e eu sentei na cama. Ele sentou-se ao meu lado e me abraçou.
– Tudo bem?
– Tudo ótimo. Não fiquei triste não, na verdade isso me ajudou muito, me deu certeza de que estou certo.
– E sabe do que mais? Estou orgulhoso de você, bebê.
– É?
– É. E sabe do que mais? Acho que seu irmão está começando a perceber que a sua homossexualidade não apagou o amor que ele sente por você. Porque ele veio até aqui senão porque ele não aguenta mais amar alguém que é o que ele odeia?
– Você acha?
– Acho. Ele nem disse que os seus pais te querem de volta, que veio aqui só porque os seus pais pediram. Ele veio aqui por ele próprio.
– No dia que eu vim do hospital, eu disse para ele que ele era o meu herói.
– Ele deve estar sentindo falta de ser esse herói, ou não aguenta mais saber que você o amou tanto e que ele não consegue aceitar você do jeito que é.
– Ou as duas coisas…
– É…
Começamos a limpar a casa e o jardim, que estavam imundos, mas era lixo “grande”, então não deu tanto trabalho assim. Exceto os cacos de vidro.
Começamos de manhã, paramos no almoço. – o Caio cozinhou estrogonofe de frango – Terminamos no início da noite. Por sorte, alguns convidados ficaram, então não foi tão trabalhoso.
Acabamos com todos no rio, de noite. Levamos garrafas e mais garrafas de bebidas e petiscos que sobraram da festa. Levamos o microsystem e fizemos uma fogueira. Foi uma noite muito divertida.
Brincamos muito, nadamos muito, falamos muita besteira e namoramos até demais.
O Vinícius ficou a noite com a gente, junto com o rapaz que ele ficou na festa. Não sei como a Luiza ficou com isso.
– Marlon, o que o seu irmão queria hoje mais cedo? – perguntou o Vinícius.
– Nada de mais.
– Sei…
– Por quê?
– Não, não é o que você está pensando. Já aprendi a minha lição. Foi só curiosidade, porque eu achei que eles não te aceitassem.
– E não aceitam.
– Chato isso…
Depois fomos tomar banho e dormir, pois estávamos exaustos demais para qualquer coisa.
Voltamos para casa no dia seguinteAs festas de fim de ano foram chegando, eu não estava preocupado com a minha família. Não sentia falta deles, na verdade não sabia se os amava ou não.
Dizem que amor de família é inevitável, que é mais forte que a gente, mas eu não tinha tanta certeza disso. Não digo isso tanto pela decepção, mas mais pela paz e felicidade que eu tinha com o Caio e com a família dele. Nada me faltava.
No dia 24 de dezembro, meu irmão me liga:
– Marlon?
– Ewerton?
– Oi.
– Oi.
– Vai ter ceia na casa do tio XXX, você vai?
– Eu nem sabia…
– É, vai ter, você vai?
– Faz diferença se eu for?
– Marlon, não força. Se não quiser ir, não vá.
– Ta bom, então diga que eu recusei o convite. – e desliguei.
Horas depois, liga o meu pai…
Foi surpresa.O Caio grita do banheiro: “Marlon, atende o telefone!” e lá vou eu. Quando pronuncio o “alô”, a voz extremamente familiar me responde e me empalidece. Era o meu pai.
.
– Marlon? – pergunta ele rispidamente
– Pai? – pergunto surpreso.
– O seu irmão acaba de ligar para você convidando para a ceia de natal e você responde desse jeito?
Eu não sabia o que dizer. Eu dizia para mim mesmo que eles não me faziam falta e que talvez eu nem os amasse mais. A questão é que a voz empostada do meu pai me dando uma bronca ainda me provocava certos medos. Era como ter um pai de volta. Gaguejei e ele interrompeu:
– Quer dizer, não basta você nos causar vergonha, ainda desdenha da nossa boa vontade não é?
– Não foi bem assim…
– E como é que foi? Seu irmão convida você para vir cear com a gente de bom grado, mesmo depois de tudo o que você nos causou e você ainda responde desse jeito? Eu não criei você assim, vai ver é essa sua maluquice que está lhe causando isso, só pode!
– O problema é que eu sei muito bem como vou ser tratado aí. Eu sei muito bem o que vocês pensam de mim. O senhor acaba de me chamar de maluco. Eu não sou maluco, eu sou gay… – ele me interrompe.
– O que é pior, não é?
– Não. Está vendo como o senhor me trata?
– Deixe de frescuras. Haja como homem, pelo menos uma vez.
Eu quis chorar, estourar o telefone no chão, mandá-lo para diversos lugares, mas o ódio era tanto que não consegui fazer nada disso. Calei-me. Ficamos um tempo calados. Mas ele rompe o silêncio:
– Não vai falar nada?
– Me responde, pai… se é que eu ainda posso chamá-lo assim: por que estão me convidando? Eu faço falta? Achei que não me amassem mais.
– Não faça drama, já disse. Você não quer uma segunda chance?
– E o que é exatamente essa segunda chance? Adianto que não posso deixar de ser gay, e que não vou deixar o Caio, e que não vou fazer tipo diante de ninguém.
– MAL AGRADECIDO! – gritou alto – Venha, eu não estou mandando?
Nesse momento, o Caio aparece na sala.
– Quem é?
– Meu pai.
– O que ele quer?
– Que eu vá à ceia de natal da minha família.
Meu pai, impaciente, grita mais uma vez:
– MARLON, VOCÊ ESTÁ AÍ?
– Estou.
– ENTÃO ME RESPONDA!
– Eu…
– Vá, Marlon! – disse o Caio.
Isso foi mais surpreendente que a ligação do meu pai. Não imaginei que o Caio fosse dizer isso, afinal, ele era contra eu procurar a minha família:
– Tem certeza? – eu perguntei ao Caio.
– Sim, vá.
– Pai? De que horas?
Pronto, estava confirmada a minha ida à ceia. Depois que desliguei, questionei o Caio:
– Por que disse para eu ir?
– Pensei muito no que o meu pai nos disse. Aliás, tenho pensado muito nisso. Você deve reatar com a sua família sim. Claro, desde que eles te respeitem, mas você vai precisar deles um dia. Eles são sua família quer queiramos ou não.
– Mas esse jantar não vai ser nada agradável.
– Eu sei, mas é justamente isso. A sua parte para sanar esse problema você está fazendo, basta ter fé e esperar que eles façam o mesmo.
– Você acha que eles farão?
– Não. Nem hoje, nem daqui a algum tempo. Talvez demore tempo suficiente para que seus pais envelheçam e estejam em seus leitos de morte, mas sempre há esperança e você deve sempre manter essa chama acesa.
– Tudo bem.
Eu me sentei no sofá, triste. Não queria ir, não me parecia uma boa ideia.
Mas eu confiava no Caio, confiava o suficiente para obedecê-lo, sem mesmo refletir sobre o que ele me pedira.
Ele sentou-se ao meu lado e me deitou em seu colo. Pos minha cabeça em suas pernas e me fez cafuné.
– Bebê, quer pipoca? Eu faço uma pipoca com chocolate e a gente come com refrigerante. Quer?
– Não precisa me bajular tanto! – disse eu choramingando.
– Ai, Marlon, faço com maior parazerzão-zão-zão! Espera aí.
Enquanto ele fazia a nossa pipoca, eu fiquei esparramado no sofá, assistindo TV.
Depois ele volta com duas tigelas enormes com pipoca de chocolate. Ele se deita no sofá, abre as penas e eu me deito sobre ele e entre as suas pernas. Lambuzei-me de chocolate. Realmente o Caio sabe levantar o astral de qualquer um.
Depois da pipoca, namoramos um pouco, até o momento em que tive que tomar banho e ir para a ceia.
– Estou nervoso, Caio!
– Eu sei, mas eles estão mais ainda. Basta você ser o mesmo Marlon forte que você foi quando enfrentou o seu irmão no sítio, lembra?
– Lembro.
E lá fui eu para o natal em família. O Caio me recomendou levar algum prato para a ceia e não chegar lá de mãos abanando.
Foi uma ótima idéia, pois disfarçou a tremedeira em que eu me encontrava.
Levei rabanada.
Quando desci do táxi, fiquei por muito tempo parado, diante da porta da casa dos meus tios. “Toco ou não toco a campainha?”, mas quando eu ia tocar, uma prima minha abre a porta. Ela ia fazer uma ligação na rua.
– Oi primo!
– Oi.
– Quanto tempo. Sumiu?
– Pois é. – respondi nervoso.
– Entra, eu só vou fazer uma ligação.
– Meus pais estão aí?
– Estão.
Eu entrei, passei pelo jardim e pela piscina decorada com velas flutuantes.
Entrei na varanda e depois na sala de estar. Parecia que eu nunca iria chegar lá. A casa era imensa e o meu coraçãozinho estava menor que um grão de feijão.
Mas eu consegui chegar.
Todos riam, mas se calaram quando eu cheguei. Fiquei parado na porta, esperando alguém me receber, mas todos estavam sentados, bebendo e me olhando. Eu numa extremidade e todos os outros convidados da festa na outra.
Constrangimento maior não poderia haver.
Demoraram tanto para saírem do estado de paralisia em que eles se encontravam diante de mim, que deu tempo de visualizar um por um.
Depois a minha tia se levantou e me recebeu:
– Feliz natal, Marlon!
– Oi tia, feliz natal.
– O que é isso?
– Rabanadas.
– Ah, que legal, não precisava.
Foi quando começou o meu tormento.
Ela tirou o prato da minha mão e tudo a partir dali foi declinando.
As mãos não paravam de tremer, então as enfiei no bolso. Depois fiquei olhando os meus pais e o meu irmão. Eles me olhavam com uma cara sem expressão, não dava para deduzir o que eles estavam pensando. Os meus outros primos nitidamente me ignoraram, principalmente os homens. A parte que eu mais temia estava próxima. Eu teria que desejar um feliz natal para os meus pais e irmão. Mas como fazer isso? Respirei fundo e prossegui.
Quando me aproximei, meu irmão se afastou. Ele poderia ter feito isso antes de eu ter me aproximado, ou até mesmo depois, mas ele fez questão de sair justamente quando eu cheguei.
Bem, eu pensei “Menos um para desejar ‘Feliz Natal’”. Olhei para minha mãe, que estava sentada com uma taça de vinho na mão. Ela estava nitidamente apreensiva, ou seja, envergonhada por eu estar ali. Naquele momento eu pensei que a ideia de me convidar não deve ter partido dela, mas eu poderia estar enganado, pois, se assim fosse, só me restaria uma opção: meu pai.
Com certeza não tinha sido ideia do meu irmão, pelo menos eu achava. Mas também poderia ter sido ideia dos meus tios, que acabaram fazendo com que os meus pais me convidassem. Eu iria me inclinar para beijar minha mãe, mas achei melhor não. Então, com ela sentada e eu de pé, disse:
– Feliz natal, mãe!
Ela sorriu para mim e rapidamente encostou a taça de vinhos nos lábios. Depois me virei um pouco e desejei feliz natal para o meu pai.
– Pelo menos isso, não é?
– O quê?
– Pelo menos você veio. Quer dizer que a minha educação não foi tão em vão assim.
Não havia resposta para tal, então me calei.
Não havia, também, mais pessoas para se cumprimentar. Sentei na poltrona ao lado do sofá da minha mãe e me mantive quieto.
Meus pais ficaram mudos e eu também não fazia questão de falar nada, mas já que era para ficar nessa situação constrangedora, preferiria estar em casa, na cama com o meu namorado.
Eu não tinha jantado antes de ir – o que foi um tremendo erro – e estava morrendo de fome, mas não levantaria dali para me servir de nada, nem de bebida ou comida.
Passei fome, uma fome tremenda, uma fome enorme, até o momento em que o meu tio convida a todos para sentarem-se à mesa de jantar que eles tinham preparado no jardim.
Como eu iria me levantar dali? Enfim, tive que fazer isso. O pior não era essa mudez. O pior eram os meus primos que faziam questão de demonstrar repulsa pela minha presença. A minha prima, que tinha aberto a porta para mim, senta-se ao meu lado e começa a puxar papo. Não sabia que ela não era contra mim. Menos mal. Conversamos enquanto comíamos. Ela me contou que queria conhecer o Caio e sair com a gente algum dia desses, então eu a convidei para uma festa de amigo secreto que estávamos organizando com a turma da faculdade. Achei que tinha arrumado uma companhia para passar o resto da festa, mas o namorado dela chega minutos depois.
Vi-me sozinho outra vez.
Depois da ceia, voltei para o mesmo lugar.
Com exceção da minha tia e da minha prima, mais ninguém falou comigo. Já passavam das duas da madrugada, quando ouço uma voz ao pé do meu ouvido.
– Pronto, Marlon, você já deu o seu show. É melhor para todo mundo que você vá embora!
Não consegui reconhecer aquela voz de imediato devido ao susto que tomei, mas sabia que me era familiar. Quando me viro, vejo o meu irmão. Fico fitando-o por um tempo e depois me viro, como se não tivesse escutado nada, mas ele insiste:
– Está esperando o quê?
Continuei calado. Então ele cutuca o meu ombro com força.
– Hein?
Eu me viro para trás e o aviso:
– Sai daqui, Ewerton!
– Vai fazer o quê? Vai me bater?
– Sai daqui.
Então ele me cutuca de novo com mais força ainda. Então levanto, viro e o vejo em posição de defesa, mas eu não o iria atacar. Eu o olho nos olhos de novo e digo:
– Se o meu próprio irmão não quer que eu fique, então eu vou.
– Chantagem emocional não cola comigo.
– Não é chantagem, é a verdade. Mas queria te fazer uma pergunta: estava gostosa a rabanada? Foi o Caio quem fez!
– Mentiroso!
– Não estou mentindo, o Caio cozinha muito bem qualquer coisa.
– É né, já que ele é a mulher da relação, tem que saber cozinhar mesmo.
– E parece que até o cunhado aprova a comida, não é? Estava muito gostosa a rabanada, eu sei.
A provocação foi insuportável para o Ewerton, então ele parte para cima de mim. Ele me chuta no estômago e me faz perder as forças, perder o ar – quem já recebeu um golpe na barriga sabe do que eu estou falando. Então eu caí e não reagi, nem podia. Os outros convidados se aproximam e fazem um círculo ao meu redor. O meu pai se aproxima aos berros.
– O QUE HOUVE?
O Ewerton estava com lágrimas nos olhos, profundamente irado, descontrolado, fora de si.
– Ele me provocou… vá embora, Marlon, vá embora!
Ninguém ainda tinha me ajudado a levantar. Então tento me erguer sozinho. Quando estou quase de pé, meu pai me “ajuda” a levantar, me pegando agressivamente pelo braço e gritando no meu ouvido:
– SABIA QUE VOCÊ IRIA FAZER CENA!
Puxei meu braço da mão do meu pai, o olhei nos olhos também e perguntei:
– Se sabia, por que me convidou?
– Não sei por que fiz isso, sinceramente.
– Então não me convide mais para nada, me esqueça para sempre e finja que eu morri.
Então saí do círculo, fui para a mesa, peguei o prato que levei e comecei a ir embora. Abri o portão e já na rua fiquei procurando um táxi. Fiquei com medo de ser assaltado ou coisa pior, mas por sorte achei um táxi livre e fui para casa. Quando cheguei lá, me lembrei que o Caio e os seus pais estavam também numa ceia na casa de uns amigos. Eu não sabia bem onde era, então liguei para o Caio:
– Marlon?
– Caio, estou em casa, mas não tem ninguém aqui não é?
– É, mas… mas… – ele respira fundo e continua – peça a chave ao porteiro e entre.
– Não, quero estar com você. Salve o meu natal.
– Já estou indo aí.
– Não, quero ir para onde você está.
– Está bem, então pegue um taxi e venha para a rua XXX, aí depois você pede para o taxista entrar pela rua da esquerda, se por acaso você estiver vindo no sentido norte. Entendeu?
– Entendi.
– Você vai ver uma farmácia, vou estar em frente te esperando.
– Não é perigoso para você?
– Não, é farmácia 24 horas.
– Amor, leve dinheiro também. Não tenho nenhum.
– VEM LOGO, MARLON! – gritou o Caio como se estivesse zangadoEle me deu as costas e se sentou no degrau da entrada da farmácia. Sentei ao seu lado. Ficamos muito tempo, muito tempo mesmo, calados. Decidi não perguntar mais nada e esperar que ele me contasse:
– É que… olha, sei que te pedi para ir para a casa dos seus parentes… eu… eu não me arrependo, mas me arrependo, entende? – perguntou chorando.
– Por que você está chorando?
– Desculpa, amor!
– Desculpa pelo o quê?
– Por ter pedido para você ir.
– Não estou entendendo, Caio.
– Você tinha que ir, mas sabia que ia ser uma merda para você, eu sabia. Não me arrependo de ter pedido para você ir, mas lamento muito que você esteja aqui agora. Entende isso?
– Não.
– Porque você tinha que ir, mas eu sabia que seria ruim.
– Tá, essa parte eu entendi, não entendi o porquê de você chorar desse jeito.
– Me perdoa, amor!
– Perdoo, mas perdoar de quê?
– De ter pedido para você ir.
– Então! Você “pediu”, você não mandou.
– Ah, é a mesma coisa!
Eu ri singelamente. Era de fato gracioso que, mesmo fora do alcance das mãos do Caio, ele queria me proteger. Ele não explicou muito bem o motivo de estar se sentindo culpado, mas eu sabia o porquê. Tentei abraçá-lo mais uma vez, para consolá-lo, mas ele se afastou de novo.
– Deixa eu te abraçar!
– Não, não precisa. – disse ele enxugando as lágrimas.
– Não quer cuidar de mim? Então, preciso de colo, lá foi horrível.
– Como foi?
– Não, agora não. Agora eu só quero um abraço e depois vamos para a festa.
Nos levantamos, nos abraçamos fortemente com direito a carinho na nuca e beijinhos na bochecha. Depois fomos de mãos dadas para a festa. No meio do caminho, eu digo:
– Você não me desejou Feliz Natal ainda, sabia?
– Oh, meu Marlonzinho-zinho-zinho, eu esqueci… Oops!
– Hahahahahahahahaha.
Então ele me abraçou de novo bem forte e disse no meu ouvido:
– Feliz Natal, meu ursinho peludinho de chocolate!
– Feliz Natal, Caio, meu menino lisinho e rosadinho e cheiroso!
(…)
A prova de que dinheiro definitivamente não compra felicidade: esses amigos dos pais do Caio eram super humildes, uma casa simples, modesta.
Na casa dos meus parentes havia cerca de vinte e cinco pessoas; na casa desses amigos deveriam haver umas oitenta.
Obviamente a casa não comportava todo mundo, mas todas as mesas estavam no meio da rua. Aparentemente todos os vizinhos estavam nessa festa. Tinham as mesas de quatro cadeiras, que eram várias, mas também tinha uma mesa maior, que deveria ter uns 6 metros, cheia de comidas. Na casa dos meus parentes as pessoas riam, nessa festa as pessoas gargalhavam sem pudor. Tudo era muito simples, mas cheirava a vida!
– É tudo isso de gente? – perguntei surpreso.
– Aham.
Ainda estávamos de mãos dadas e chegamos assim. O Caio me explicou que na verdade essa não era a casa desses amigos dos pais dele e sim a antiga casa que esses amigos moraram, mas que a mantinham por causa das lembranças e da vizinhança, ou seja, eles eram humildes de coração, digamos assim.
Quando chegamos de fato, fomos para a mesa onde os pais do Caio se encontravam. Eles riam à beça e parece que relembravam o tempo de faculdade. Quando a mãe do Caio me viu, se surpreendeu:
– Ué, Marlon?
– Oi.
– Longa história, mãe. – disse o Caio encurtando a conversa.
– Feliz natal! – desejei para a mãe do Caio.
– Feliz natal! – todos da mesa responderam amistosamente.
– já comeu? – perguntou o Caio.
– Sim e não: comer eu já comi, mas não me saciou.
– Então não comeu. Vem!
Ele saiu ziguezagueando pelas mesas até chegarmos à mesa central. Ele pegou um prato e perguntou o que eu queria.
– O quê daqui você cozinhou?
– Ah, meu bem, já foi. Eu fiz rabanada e torta de chocolate.
– Ai, aquela torta de chocolate puro né?
– Essa mesma!
– Merda, você não guardou um pedaço para mim? Sabe que eu mato por essa torta!
– Ah, não fiz torta pensando em você não. Sinto muito!
– Grosso!
– Chato!
– Odeio você!
– Odeia nada. Eu sou sua torta de chocolate, baby.
– Errado: você é a minha máquina de fazer tortas.
– Hahahahahahahahaha.
– Nossa! – exclamei.
– O que foi?
– Esqueci o prato de rabanada na casa da minha tia.
– Ah, besteira. Vai ver foi um sinal.
– Sinal de que?
– De que eu arraso na cozinha e que eles vão lamber o açúcar do prato.
Enquanto eu me servia, o Caio beliscava. Ao lado dele chegou um rapaz negro, que aparentava ter uns 19 anos e eles ficaram conversando.
– Caio, me passa aquele prato ali.
– Serginho, pega o salpicão aí, por favor.
O rapaz pegou o prato e passou para o Caio.
– Obrigado! – eu disse ao rapaz.
Ele não respondeu, timidez, eu acho.
– Marlon, esse é o Serginho. Ele é meu primo de consideração.
– Oi, Serginho.
– Oi.
– Serginho também é gay.
– CAIO! – gritou o Sérgio.
– O que foi? O Marlon é meu namorado, bobão, esqueceu?
– Mesmo assim, né?
– O que tem de mais?
– Serginho, não esquenta com isso não. – eu tentei amenizar.
– É porque ele ainda não assumiu, amor. É neurótico!
– Para, Caio.
– Paro não!
– É, o Caio é chato assim mesmo. Mas não esquenta não, Serginho, seu segredo está seguro.
– Eu confio em você, eu só não queria que mais pessoas soubessem.
– Você sabe o que falta na sua vida, não é? – disse o Caio.
– Para de insistir, Caio!
– Não vou parar não. Enquanto eu for seu amigo, eu não paro.
– Então vamos deixar de ser amigos, porque eu não aguento mais isso.
– Para, Caio, está ficando chato já, né? – eu disse.
– Amor, eu sempre fiz isso e o Serginho sempre foi meu amigo.
Eu terminei de me servir e fomos os três para uma mesa. Começamos a bater papo e o Caio continuou cutucando na ferida do Sérgio. Se eu fosse o rapaz, já tinha mandado o Caio ver se eu estava na esquina, mas depois eu percebi que eles eram íntimos demais e que o Sérgio não achava ruim o que o Caio falava.
O problema é que ele era reprimido demais para conversar sobre a sua sexualidade. E depois que esse papo cessou, percebi que o tal Sérgio gostava muito do Caio. Então deixei para lá.
O Caio começou a limpar os meus lábios com os dedos, – coisas de namorados – pois estava sujo de comida.
Eu me assustei um pouco, afinal estávamos em público. Mas o Caio era a pessoa mais cuidadosa do mundo. Se ele fez isso ali era porque não tinha problema, então o susto foi só inicial. O Sérgio ficou nos olhando e suspirou:
– Que inveja!
– Ah, cala boca, Serginho. Agora quem vai mandar você calar a boca sou eu. Você não pode fazer isso porque não quer e ponto.
– Não é fácil assim, né Caio?
– Ah, eu posso ajudar, mas você não quer, então feche a boca!
– Serginho, porque você não sai com a gente qualquer dia desses? Aí a gente te enturma mais. Eu sei o que é isso: assumi recentemente também.
– Ele sabe da gente, Marlon. Sabe tudo.
– E como eu nunca soube dele?
– Porque ele me pede para não falar nada dele para ninguém.
– Mas você não cumpre, né? – disse o Sérgio.
– Cumpro sim, eu só disse para o Marlon porque você estava presente. E depois, Marlon, o Serginho não sai nunca. Ele é eremita, se enclausura no quarto e vive lá. Come, dorme, peida… tudo lá. Já cansei de convidar, até mesmo para programas familiares, digamos assim, e ele nada!
– Sair para quê?
– Ué, beijar na boca e ser feliz, oras!
– Não.
– Está vendo, não é Marlon? Você acredita que nem os pais dele sabem que ele é gay?
– Claro, né?
– Claro nada! Seus pais estudaram com os meus, pensam igual, agem igual. Veja como eles me tratam. E ainda tem o agravante de que você tem irmão e irmã super legais e que me aceitam numa boa. E eu estou dizendo isso você sabe por que, né? Marlon, você acredita que o Serginho tem medo de contar porque acha que vai ser uma decepção para os pais?
– Acredito!
– Ah, mas seus pais são uó, os pais do Serginho não.
– Tá bom, né Caio? Chega!
– Tá, come o seu panetone aí e fecha o bico.
Tudo o que o Caio pedia para o Sérgio fazer era diferente do que ele me pediu quando começamos a namorar escondido. Era diferente também do que ele falava para outros gays que não tinham se assumido ainda. O Caio dizia que só se assumam quando acharem que aguentam a barra e não sobre pressão. Mas com o Sérgio ele era completamente diferente.
O Caio deveria ter os seus motivos para fazer isso. Eu confiava nele.
A festa continuou, mas só para os mais velhos. Todos os jovens da festa começaram a ir embora. Uma outra festa começaria, pelo visto.
– SIMBORA, NÉ CAIO? – gritou alguém de longe.
– Sim, sim, vamos!
– Para onde vamos, amor?
– Outra festa.
– Outra?
– É, mas essa é para dançar.
– Tá bom – disse eu já me levantando da cadeira.
– Deixa eu avisar aos meus pais.
E ele partiu, ficamos Sérgio e eu.
– Vamos?
– Não, eu não vou.
– Por quê?
– Ah, não estou afim.
– Ué, mas você não gosta de dançar.
– Não.
– Mas acho que vai ser legal, vamos?
– Não, não.
– Pronto! – chegou o Caio – Tchau Serginho.
– Você nem vai convidá-lo, Caio?
– Eu não, ele não vai mesmo.
– Caio, tenha modos!
– Eu tenho, quem não tem é ele, oras!
– Diga para ele que a gente não vai só dançar, porque ele não gosta de dançar!
– Mentira, ele gosta de dançar. Dança muito, trancado no quarto. Ele adora as Spice Girls, mas tem vergonha de dançar em público.
– É só não dançar, Serginho. – eu disse.
– E eu vou fazer o que lá?
– Bebe com a gente!
– Eu não bebo.
.
– Ele bebe sozinho, em casa, trancado no quarto. Marlon, ele faz tudo o que uma pessoa normal faz, mas faz tudo isso trancado no quarto. Ele só não transa porque para isso seria necessário outra pessoa.
– Ai, que menino azedo! – disse o Sérgio.
– Azedo é você. Tchau! – o Caio foi para perto do Sérgio e o abraçou forte – Feliz Natal, seu porre!
E fomos para a outra festa.
A festa seguinte era na casa de um dos milhões de amigos do Caio, que estava nessa mesma festa anterior. Fomos todos amontoados em dois carros. A casa em questão estava vazia, só tinha a gente.
Levamos duas caixas de gelo e bebidas nos portas-malas e o Caio levou um pen-drive, ligou a um notebook e o conectou a umas caixas de som. Pronto!
Tínhamos um DJ só para nós. Apesar de eu ser um namorado ciumento, se eu fosse sentir ciúmes por cada amigo gay ou não que o Caio tinha, eu não conseguiria namorá-lo por mais de dois meses. Ou menos que isso. Não namoramos muito durante essa festa, só dançamos e bebemos mesmo. Mas eu me diverti muito, conheci muitos amigos do Caio, que por sinal eram divertidíssimos. Tive a oportunidade de conhecer os amigos héteros dele, que, para a minha surpresa, eram muitos.
Depois da festa, fomos direto para casa. Os pais do Caio iriam para casa da festa anterior. Na verdade, os pais dele iriam demorar mais que a gente.
Segundo o Caio, quando os seus pais se encontravam com os amigos de faculdade, demoravam muito para saciar a saudade dos velhos tempos.
Então pegamos uma carona com uns amigos do Caio e partimos para casa durante o amanhecer.
Quando chegamos na portaria, ele me perguntou:
– Salvei o seu natal?
– O quê? Nem me lembrei que estava com os meus pais hoje mais cedo, nem de nada do que aconteceu. Parece até que foi semana passada!
– Hum, que bom, meu panetonezinho!
– Só você mesmo para me fazer rir em um dia de choro.
– Porque eu te amo.
– Eu sei disso, por isso confio tanto em você.
Tomamos banho e dormimos juntinhos, abraçadinhos na nossa cama.
– Feliz Natal, Caio.
– Feliz Natal, Mar.
No almoço. Sim, almoço, porque café da manhã passamos todos dormindo, eu contei como tinha sido o início do meu natal em família.
– É, eu não mudo o meu pensamento de que você ainda deve esperar a reaproximação com a sua família, mas como eu disse antes, você tem que esperar que eles venham até você. – disse o pai do Caio.
– Quer apostar que o seu irmão está se roendo de arrependimento? – disse o Caio.
– Eu só não entendo porque eles me convidaram.
– Porque, no fundo, eles sabem que estão errados. Não queriam passar uma data tão significativa para uma família como o Natal sem se sentirem filantropos, sem se sentirem boas pessoas. Eles se sentem maus pelo que fizeram com você, aposto. Mas não suportam o fato de você ser gay, é uma contradição na cabeça deles. E seu irmão já demonstrou que é o mais fraco deles. – disse o Caio revoltado.
– É, isso o que o Caio disse faz sentido, – defendeu a mãe dele – porque no natal, ideologicamente falando, ninguém quer sentir que sua família é ruim, é preconceituosa. No natal, todo mundo faz caridade, deseja tudo de bom até para os seus piores inimigos. Obvio que no fundo eles sabem que você não tem culpa, mas não aceitam sua orientação, mas te amam mesmo assim.
– Bem, isso não importa muito. Estou cansado disso. Até mesmo se eles me procurarem de novo, vou resistir, não vou. Fui muito humilhado. Fui agredido verbalmente e fisicamente entre as pessoas que deveriam me amar e sentirem compaixão por mim. E o natal não me tocou fundo desse jeito em relação a eles. Se eles sentiram essa data e ainda assim fizeram isso, imaginem se eles estivessem sentindo o natal como eu estava sentindo?
– Claro, eu concordo sim que você não deve mais ir atrás deles mesmo que eles te procurem. Você foi muito humilhado sim e isso eu não aceito. – disse o CaioPassaríamos o réveillon na praia, em um clube à beira-mar. O Caio não é supersticioso, mas ele se envolve com o clima de fim de ano. Vestiu uma cueca rosa para fortalecer o amor, usou fitas coloridas, comeu lentilhas e me obrigou a pular as sete ondas junto com ele.
– Caio, eu vou me molhar todo. – choraminguei.
– Deixa de ser fresco e vem logo!
Lá fomos nós atolar os pés na beira do mar. Depois ficamos na praia, de mãos dadas e de olhos fechados fazendo o pedido das ondas. Eu achava tudo muito engraçado e o Caio também, mas a graça dele é levar a sério o que na verdade ele não acredita muito.
Depois voltamos ao clube, passaríamos a virada lá.
À meia-noite, nos beijamos. Nos despedimos dos pais dele e saímos. Em festas grandes como essa, nunca parávamos em um lugar só.
Ligamos para o Tom e para a Cláudia. Nos encontraríamos na praia e iríamos procurar uma festa ou uma boate. O que não faltava era opção para alguém como o Caio e o Tom. Mas antes, o Caio queria fazer uma coisa:
– O que você está procurando? – perguntei.
– O Serginho.
Ainda estávamos no clube.
– Ele deve estar com os pais.
– Eu sei, por isso estou procurando os pais dele. – algum tempo depois – Ali, ali está ele.
O Sérgio se confundia com os mais velhos. Ele sabia como se esconder, como se tornar invisível.
– Serginho, vamos ali. – disse o Caio enquanto puxava o seu braço.
– Ali onde?
– Ali.
– Ali onde, Caio?
– Ali, Serginho.
– Não, Caio, eu não confio em você.
– TIA, O SERGINHO PODE SAIR COMIGO? – gritou o Caio para a mãe do Sérgio.
– Pode, pode sim.
– Não, mãe!
– Vamos!
– Caio, eu não vou.
– Vai sim e cala a boca agora.
– Não.
– Serginho, você vai nem que eu tenha que bater na sua cabeça e deixar você inconsciente.
– Não, Caio.
O Caio soltou o Sérgio, chegou bem perto do rosto dele e, não sei como, mas ele falou de uma maneira tão firme que me deixou surpreso. Em voz baixa, mas o suficiente para eu ouvir com nitidez, ele disse:
– Você vai, Sérgio!
O rapaz não conseguiu mais dizer não; foi vencido pelo cansaço. Talvez não pelo cansaço físico, mas pelo cansaço íntimo, pessoal.
Talvez ele tenha se cansado de fugir de si mesmo. Então fomos. O Sérgio caminhava atrás da gente, como se estivesse indo a pulso, mesmo ninguém o puxando pelo braço. Era como uma criança birrenta, que sabia que não podia mais escapar.
– Para onde estamos indo, Caio?
– Você vai saber já-já, não tem para quê a pressa!
– Caio!
– Serginho, cala a boca e anda.
Encontramos o Tom, o Luciano, a Claudinha e o namorado no meio da multidão.
– FELIZ ANO NOVO, AMIGUINHOS LINDOS E CHEIROSOS! – gritou o Caio escandalosamente.
– Feliz ano novo! – responderam todos.
– Gente, esse é o Serginho, meu primo. Desejem “Feliz ano novo” para ele também.
– Oi Serginho, feliz ano novo, gato! – disse o Tom o abraçando.
– Para você também.
– Feliz ano novo…
Todo mundo o abraçou e desejaram felicidades. Ele respondia timidamente.
Comparamos algumas bebidas com um ambulante que passava e ficamos lá à toa, esquematizando o resto da noite.
– E então, para onde vamos? Só quero avisá-los de que quero dançar muito – disse o Tom.
– Hã? Eu também, oras. Já viu festa sem dança? Comigo não, violão.
– Tá, então vamos para a festa do meu primo, é aqui perto. É num apê. – disse o namorado da Cláudia.
– Aquele primo que fala três línguas e que já viajou toda a Europa? Não, obrigada! – disse a Claudinha.
– Por quê?
– Porque ele é um idiota. Só deve ter gente classe A lá.
– Ai, Claudinha, e nós, por acaso, somos classe B? – perguntou o Caio brincando.
– Claro que somos! Somos classe B de bons demais para aquela festa e eles são classe A de amostrados demais para a minha beleza.
– Ah tá, então, sendo assim… Tchau para o seu primo classe A, hahhaha!
– Gente, vamos na XXXX, o DJ de hoje é super cool. Foi o DJ que tocou na rave de setembro, lembram? – disse o Luciano.
– Vamos! Adorei aquela rave, cara! – eu disse empolgado.
– Tá, então vamos.
Durante todo o caminho, o Sérgio não disse uma palavra sequer. Pôs as mãos no bolso e seguiu o percurso de cabeça baixa.
– Mar, eu vou caminhando com o Serginho, tá? Aproveito e vou conversando com ele.
– Tudo bem, mas, Caio, o que você está planejando?
– Não vou forçar nada muito forçado, mas vou desarmá-lo um pouco.
– Você tem certeza do que vai fazer?
– Tenho.
– Então tudo bem.
O Caio se aproximou do Sérgio e os dois foram conversando. Não ouvi.
Chegamos à boate e a entrada estava caríssima, mas pagamos. Ficamos muito animados, pois adoramos música eletrônica.
– O que vocês querem beber? Eu e o Serginho vamos ao bar. – disse o Caio.
– Nada, por enquanto.
– Ninguém quer nada? Beleza, fui.
Partiu então Caio e Sérgio para o bar.
– De onde surgiu esse menino? – perguntou a Claudinha.
– Ele e o Caio são amigos há muito tempo.
– Ele não disse que era primo?
– De consideração. Os pais deles dois são amigos da época da faculdade.
– Hum… e por que ele é tão tímido?
– Ah, porque é, oras!
– Porque ele é gay, oras! – retrucou o Tom.
– Não dá para esconder, né? – eu perguntei.
– De mim não. Eu vejo um de longe.
– É, mas ele não é assumido.
– Saquei tudo: o Caio vai fazer a iniciação desse menino hoje!
– Será? – perguntei surpreso.
– Com certeza. Pelo menos beijar o Caio vai conseguir com que ele faça.
– Não sei se ele consegue, ele é muito tímido.
– Mas ele vai tentar, quer apostar?
Enquanto conversávamos sobre o Sérgio, alguém se aproxima do nosso círculo.
– Oi gente. Oi Marlon, beleza? – perguntou ele bem animado.
Era o Vinícius.
Ele estava muito animado. Eu sei que ele estava há muito tempo sozinho, sem amigos e que a nossa presença o alegrava. Mas aquela euforia dele me pareceu exagerada.
– Oi, Vinicius. Tudo beleza e você?
– Bem, bem. Cadê o Caio? – perguntou ele enquanto o procurava com a cabeça.
– Ele foi ali com o primo dele.
– O Serginho?
– Hã?
“Como assim ele conhecia o Serginho e eu não?”, pensei. Tive ciúmes. Como o Caio pôde apresentar o Sérgio ao Vinícius e não apresentá-lo para mim?
– De onde você conhece o Serginho?
– Eu não o conheço, ainda. O Caio que me convidou.
– Quando? Como? Nem nós sabíamos que viríamos para cá. Decidimos agora há pouco.
– Ele me ligou agora há pouco.
– Hum, sei. E por que ele te convidou?
– Para conhecer o Serginho.
É, tudo fazia sentido.
– Bem, o Caio e o Serginho estão no bar.
– Bom, então vou para lá.
Ele saiu e foi em direção ao bar. A boate começava a lotar e a música começou a ficar mais empolgante.
Eu, por outro lado, não estava gostando daquela noite, pois o Caio estava bem distante. Não só na presença física, mas também na subjetiva. Mas decidi não encucar com aquilo, a causa era “nobre”.
Mais de uma hora se passou e nada do Caio. Decidi, então, ligar para ele.
– ONDE VOCÊ ESTÁ? – gritei.
– Não te ouço!
– Onde você está?
– No bar.
– Fazendo o quê?
– Hã?
– Eu estou indo aí.
Despedi-me do pessoal e fui. Quando cheguei lá, estavam Sérgio, Vinicius e Caio bebendo e conversando. Eu me aproximo e agarro o Caio por trás.
– Oi Mar! – disse o Caio e me beijou.
– Sua idéia de réveillon entre amigos é muito irritante.
– Hã?
– Me deixou lá atrás, me abandonou. O que deu em você?
– Amor, você sabe o que eu estou fazendo, não sabe?
– Não, não sei. Afinal, você não me disse. Nem mesmo me comunicou que iria convidar o Vinícius.
Como a música estava alta, eles não nos ouviam, ou pelo menos eu imaginava que não.
– Amor, eu estou mediando aqui. Já-já vou te dar a atenção que você merece.
– E o que eu faço até lá: fico esperando?
– Marlon, seja mais maduro, vai!
– Como assim “mais maduro”?
– Você está agindo de forma infantil. Eu tenho todo tempo do mundo para você, mas agora não.
Eu o puxo pelo braço e o arrasto para um lugar mais reservado. O Caio grita:
– SERGINHO, VOLTO LOGO!
Quando chegamos, ele exclama:
– Ai, me machucou!
– Vem cá: quer dizer que esse seu amigo e primo ao mesmo tempo surge do nada e ele aparece como alguém merecedor de toda a sua atenção. Até aí tudo bem, eu sei como você adora ajudar as pessoas, – disse ironicamente – mas não me exclua das suas ações e fique esperando que eu entenda. E como se não bastasse você convida o Vinícius para ficar com o Serginho e fica aqui de papo com os dois.
– Eu te contaria tudo depois, Marlon.
– Depois? E outra coisa: você não acha que já teve decepções demais com o Vinícius? Agora você vai fazer com que o seu primo, que é novo na área, tenha as mesmas tristezas que você?
– Como é? Não foi você mesmo quem disse que deveríamos dar uma segunda chance para o Vinícius? Eu estou dando. E outra, o Vinícius agora mudou, ele assumiu, não tem que ficar se escondendo de ninguém e, portanto, eu suponho que ele não vá fazer a mesma coisa que fez comigo… – eu o interrompo.
– Quem faz uma vez, faz duas, fazEntão devo supor que, se um dia você errar comigo, eu não deva mais te perdoar não é? Porque, segundo a sua filosofia de vida, quem erra uma vez, erra sempre!
– Não é a mesma coisa… – ele me interrompe.
– Não? Por que não? Porque você é perfeito e impassível de falhas?
– Por que estamos brigando?
– Porque você chegou com grosseria. Se está se sentindo abandonado, sozinho, excluído, basta chegar junto e perguntar o que está acontecendo e eu te explico com prazer. Agora não venha fazer cena, por favor. Não venha pedir satisfações… – eu interrompo.
– Então você não me deve mais satisfações?
– Não foi isso o que eu disse, o que eu estava dizendo antes de você me interromper é que não venha me pedir satisfações, pois eu sei das minhas obrigações enquanto namorado e eu as darei gratuitamente. Você não precisa chegar com grosseria, me machucando, como se eu estivesse fazendo alguma coisa errada. Quando eu terminasse aqui, eu mesmo te procuraria para te dizer.
– Quem faz coisa errada faz escondido mesmo. O trouxa é que tem que ir atrás, para não ser passado para trás, senão ele sempre será o último a saber, como está acontecendo agora.
Eu sei, peguei pesado. Não só fui grosseiro, como também mudei totalmente o rumo da prosa. O centro não era o Caio e o Vinícius, era o Sérgio e o Vinícius. Eu não só agi mal como direcionei uma culpa que não existia, ao Caio.
– Como é? Realmente, você é um trouxa, mas não sou eu quem está fazendo isso, é você mesmo. Não acredito que você acha que eu estou te traindo.
– E como vou saber? Você fugiu de mim.
– Cala a boca, Marlon. Não fala do que você não sabe!
– Não calo porra nenhuma!
– Você acha que sou a Laís?
Eu não pude suportar ouvir o nome daquela garota. Quando penso em todo o mal que ela me fez, me afastando do Caio e de mim mesmo, da minha sexualidade, me enganando e me traindo… eu fico furioso.
Não consegui controlar a minha ira, não pensei em nada. Parti para cima do Caio e o bati no rosto com a mão espalmada. Eu sou naturalmente forte, então não precisei investir tanta força no tapa para que eu o machucasse de verdade.
Ele se desequilibrou e iria cair se não houvesse tanta gente ao redor. Ele esbarrou em uma menina, que logo fez um escândalo.
– AI, MAL EDUCADO! – berrou a garota.
– Desculpa, eu tropecei! – disse o Caio.
Quando voltei à lucidez, percebi a besteira que tinha feito. Fiquei surpreso com a minha reação. Sabia que pensar no passado me fazia enlouquecer, mas não imaginava que fosse perder o controle dessa maneira.
Só que, mais surpreendente que isso, foi a reação do Caio. Ele voltou a se equilibrar sobre as pernas normalmente, observou se não tinha se sujado durante a quase queda e começou a passar a mão na roupa, certificando-se de sua limpeza.
Levantou o rosto e nem me olhou. Passou por mim, fingiu que não me via mais e foi saindo. Eu o puxaria de novo pelo braço, para que ele voltasse e eu o pedisse desculpas. Mas não seria ele que deveria voltar, seria eu, o correto, que o procuraria para me desculpar. Se é que existem desculpas para isso.
Eu fui atrás. Ele agia como se nada tivesse acontecido e estava sorridente conversando com o Sérgio e o Vinícius.
Estranho, não? A única vez que o Caio me confundiu tanto com a sua atitude totalmente inesperada foi quando eu o procurei para contar-lhe de que ele estava certo quanto à infidelidade da Laís.
Naquele dia eu esperava que ele não me perdoasse e ainda tripudiasse sobre mim. Eu já imaginava o Caio dizendo “Não te disse? Não te avisei?”. Mas não. Ele fez o contrário: me perdoou, se culpou por tudo e me pediu distância. Vi toda aquela angustia do passado voltando com essa atitude inédita com a qual ele tratou essa situação.
Quando me aproximei, ele estava atuando, dando uma de ator. Não sabia como puxá-lo de novo, para conversarmos, então fiquei ali, em pé, como se fizesse parte do grupo.
O Sérgio estava resistente quanto ao Vinícius. Acho que ele ainda tinha medo, aquele medo que conhecemos bem. Aquele medo que todos nós gays já tivemos.
– Gente, vamos para um lugar mais reservado, então. Aí a gente tem mais intimidade, conversa melhor, com mais calma. Que tal? – perguntou o Caio aos dois.
– Ah, eu topo – disse o Vinícius.
– E você, Serginho?
– Eu não sei, Caio. – respondeu ele timidamente.
– Um lugar mais reservado, onde ninguém pode nos ver! – reforçou o Caio.
– Caio… eu… – respondeu o Sérgio.
– É agora ou nunca, Sérgio!
– Para onde vamos? – perguntou o Vinícius.
– Não sei ainda. A gente tem que ir para um lugar que só tenha a gente e nós estamos tão longe da minha casa… se bem que…
Aí o Caio puxa o braço do Sérgio e o faz esbarrar no Vinícius. Este, por sua vez, agarra o Sérgio pela cintura e o beija. É um beijo forte, que faz com que o Sérgio se assuste e fique de olhos abertos por um tempo, mas o beijo vai se demorando e o Sérgio começa a fechar os olhos.
O beijo demora para terminar, mas quando termina, o Caio avisa:
– Quando acabar, me liga!
– Mas, Caio, para onde você vai? – pergunta o Sérgio.
– Não falei isso para você, Serginho, falei isso para o Vinícius. Ouviu né? Quando acabar, me liga.
– Caio… – chama o Sérgio, mas é interrompido por ele.
– Menino, deixe de ser medroso, eu não vou sair da boate não, nem vou te abandonar, só vou ficar longe, ali onde estávamos antes, ok?
– Tá bom!
– Vamos, Marlon!
“Vamos, Marlon”? eu pensei. Ele seguiu na frente e eu fui atrás. Enquanto eu caminhava, sentia o nosso namoro acabando a cada passo. Então eu pego na mão do Caio, que para, se vira e me fala:
– Em casa, Marlon. Em casa a gente conversa!
– Mas… – ele me interrompe.
– Em casa! – diz firme.
Quando voltamos, ele volta a atuar.
– Pronto, mais um cliente satisfeito!
– Hahahahahahaha, esse Caio não vale um real! – diz a Claudinha.
Era melhor que fosse em casa mesmo, não ia dar para se ter uma conversa decente naquele lugar. Então decidi esperar, mas a espera era uma agonia.
Todos estavam lá, todos sorriam, todos dançavam e eu tinha que ficar lá, de pé, me sentindo culpado e vendo que o Caio fingia que nada tinha acontecido, pois ele fazia tudo o que os outros faziam.
Quando amanheceu, os pais do Caio ligaram para ele, perguntando onde nós estávamos, para que eles viessem nos buscar.
– Marlon, era o meu pai. Ele está vindo nos buscar, ok?
Fiz sinal positivo com a cabeça e continuei de pé, sem fazer nada.
– Eu vou falar com o Serginho, perguntar se ele vem com a gente. – e foi.
Ele voltou com o Sérgio e o Vinícius vinha logo atrás.
Depois de um tempo o carro chegou e começamos a nos despedir do pessoal. Saímos da boate e entramos no carro.
– Serginho, vamos levar você para casa, tá bom? – disse a mãe do Caio.
Deixamos o Sérgio em casa e, da jánela, o Caio grita:
– ME LIGA!
– TÁ!
Estávamos todos cansados, então o resto da viagem foi silenciosa. O Caio acabou cochilando. Quando chegamos, a mãe dele me pede:
– Acorda o Caio, Marlon!
Como fazer isso depois de tudo?
– Caio? Caio, acorda. Chegamos!
Ele acordou, esfregou os olhos e olhou para a porta do carro. Ficou um tempo a observá-la e saiu finalmente. Eu saí em seguida. Subimos as escadas com muita preguiça. Entramos e eu já esperava o que iria acontecer naquele quarto entre a gente.